Há algo de lascivo no desejo inconsciente de destruir, algo que não dura, que vem como ondas de desprazer e desejo, como a maré e a ressaca. Circulo vicioso do meu próprio desprazer, circulo desprazeroso do meu próprio vicio. Viciante desprazer circular. Hermeticamente fechado, hereticamente assustado, histericamente apagado, totalmente esquecido. Essa prisão me impressiona. Essa impressão me apaixona. Essa paixão me aprisiona. Há algo de proibido, de pecaminoso, no caminho metódico da descontrução, no caminho caótico da desintegração, no caminho sereno da autodestruição. No caminho que trilho. Então, tudo me cheira a poesia. Aquele cheiro ocre e acido de livros velhos e empoeirados, de textos caseiros e mal feitos, permeados de uma animosidade sutil e venenosa que se reconhece, somente pelo cheiro. Estou na biblioteca de meus pensamentos perdidos, e encontro-me, ironicamente, perdido em meus pensamentos. Os instintos são mestres-de-obras de uma sistemática em ruínas. Labuta bruta, que é, a partir das necessidades, lapidar o alimento. Mas quem se atreve a nadar contra a gélida correnteza da cadeia de comando que nos agarra com suas mãos de ferro? A constante falta de futuro rasteja sobre os trilhos enferrujados do progresso, enquanto ninhadas esqueléticas roem os ossos de sua própria miséria. Marchamos em um padrão inaceitável através dos cacos ruidosos de nosso sustento, na tentativa vã de aceitar o amargo reluzir pelo qual nos vendemos paulatinamente. Formigas operárias são queimadas pelas lupas da opressão, sem sequer entender o significado da palavra “remorso”, mas moldando seus dicionários com a condescendência. Encarcerados pelas possibilidades abstinentes, entregamos nossa guarda a cães de terno que nos fazem lamentar termos menos braços do que funções. Dando mais que recebendo, consumindo mais do que criando, a roda segue sua sina autodestrutiva, e lá no fundo tudo que ouço é o som comercial de nossos sonhos quebrados.